quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Quando chega a hora de partir


11 de outrubro de 2012, céu nublado, clima tristemente chuvoso - por dentro e por fora. O dia de hoje (cronologicamente) ainda não acabou, mas para mim os ponteiros pararam de trabalhar às 16 horas e 22 minutos, assim que meus ouvidos - pouco sensíveis à audição, junto a minhas mãos trêmulas e meu coração taquicárdico ouviram o comunicado de falecimento. Estudando e vivenciando a Medicina, aprendi uma coisa: a morte coloca a vida em perspectiva. Definimos melhor os nossos propósitos quando refletimos sobre nosso passado, presente e futuro. O momento de dizer “adeus” (mesmo que, na maioria das vezes, não haja tempo para isso) quebra aquela ideia limitada de infinitude.  Quando tudo acaba, e tudo que ouvimos é um som linear, não há mais nada por vir.  Ampliamos a visão de quem somos, de onde viemos e para onde vamos. Ao encararmos a morte, reconhecemos que não somos perfeitos e sim paradoxais. Quem não conhece a constante luta interna de querer e não querer algo o tempo todo? Carl Jung, psiquiatra suíço, dizia que para uma pessoa se sentir completa, terá de aceitar o fardo de viver conscientemente com tendências opostas, irreconciliáveis, inerentes à sua natureza - tragam elas a conotação de bem ou de mal, sejam escuras ou claras. Apenas quando acolhemos nossos paradoxos é que nos sentimos inteiros. Não queremos falar sobre a morte, mas contamos com a ideia de que vamos morrer para nos sentirmos vivos. A ideia de que um dia vamos morrer nos ajuda a lidar com os sofrimentos da vida: uma perspectiva de alívio, de que um dia os sofrimentos desta vida acabarão quando morrermos. Mas não queremos morrer! Queremos acabar com o sofrimento desta vida, mas não morrer. A magnitude de nosso desconforto em relação à morte está em proporção direta ao tanto que fomos afetados pelo nosso meio. Até que ponto fomos expostos à visão negativa que a sociedade tem da morte, e como fomos marcados por ela? A ideia que temos da morte é o rótulo que damos aos nossos condicionamentos culturais. Em geral, presenciamos a morte de maneira violenta e negativa. Nos jornais e na TV, ela é assistida com violência e à distância. Parece que ela só acontece com os outros. Mas hoje ela foi tão pacífica e, de certa forma, tão natural que mal consegui interiorizar a possibilidade de nossa própria morte como um evento positivo. Ela se foi e, assim, fica a inconstância e o medo de “quando chegar a nossa vez”. Podemos superar o preconceito de pensar ou falar sobre a morte, mas enquanto não tivermos alguma experiência direta com ela, nossa ideia a seu respeito será apenas intelectual e teórica, limitada por nossa própria falta de experiência – e quão inexperiente sou! Podemos conhecer a morte de um ponto de vista cultural, religioso, científico ou histórico, mas continuamos sem saber o que mais nos toca: quando e como nossa morte ocorrerá. Quando esse momento se aproxima é que parecemos dar conta de que deveríamos saber muito mais sobre ela. A morte é um conceito que adquirimos de acordo com nossa personalidade, ambiente social, cultural e religioso e educação familiar. Nossa visão desse fenômeno intrínseco está contaminada. Se nos concentrarmos nela, vamos perceber que muitas de nossas ideias arquivadas são contraditórias. Se fecharmos os olhos e repetirmos a palavra “morte”, inúmeras vezes iremos constatar que cada vez que dissermos essa palavra surgirão pensamentos, imagens e sentimentos diferentes - na maioria das vezes, antagônicos. Se continuarmos essa experiência de mergulhar até onde leva a palavra, notaremos que algo muda positivamente em nosso interior. A experiência direta é um antídoto potente para superarmos nossas resistências. Podemos trabalhar com os nossos preconceitos, pois não estamos destinados a ficar presos a eles. Só sei que morrer não é romântico. Precisamos nos preparar para conhecer esse processo de modo a aceitá-lo como uma condição e não como uma falha humana. Por mais difícil que isso seja.  

Um comentário:

Rios efêmeros disse...

Venho pensando tanto sobre isso nesses últimos tempos: a "morte". Não sei o que está envolvido nesse processo, mas refletir sobre isso me dá uma agonia tão grande :/