Nos últimos anos, o grande processo da
tecnologia tem provocado várias perguntas. A mais inquietante delas
é: “será que a memória de um computador carregada com todas as informações
contidas nos tratados de Medicina não seria capaz de substituir, até com
vantagens, o trabalho que os médicos fazem com apoio no exame clínico?”. Colocada
nestes termos, a indagação já estabelece uma disputa entre o método clínico e a
tecnologia médica, como se houvesse antagonismo entre ambos. Por isso, antes de
mais nada, é preciso recusar este confronto. Ele é falso. Não há conflito entre
a medicina clínica e a tecnológica. São coisas diferentes. Uma pode completar a
outra, mas nenhuma pode substituir a outra. Cada uma tem seu lugar, mas, a meu
ver, o exame clínico tem um papel especial em três pontos cruciais da prática
médica: 1) para formular hipóteses diagnósticas; 2) para estabelecer uma boa
relação médico-paciente e 3) para a tomada de decisões. O médico que levanta
hipóteses diagnósticas consistentes é o que escolhe com mais acerto os exames
complementares. Ele sabe o que rende mais para cada caso, otimizando a relação
custo-benefício, além de interpretar melhor os valores dos exames
laboratoriais, as imagens radiológicas e os gráficos construídos pelos
aparelhos. Quem faz bons exames clínicos aguça cada vez mais seu espírito
crítico e não se esquece de que os laudos de exames complementares são apenas
resultados de exame e nunca representam uma avaliação global do paciente. Na
verdade, correlacionar com precisão os dados clínicos com os exames
complementares pode ser considerada a versão moderna do “olho clínico”, segredo
do sucesso dos bons médicos – cuja essência é a capacidade de valorizar
detalhes sem perder a visão do conjunto. Bastaria isso para garantir um lugar
de destaque para o exame clínico na medicina moderna – ou de qualquer tempo –
mas, no presente momento, precisamos nos empenhar na (re)valorização da relação
médico-paciente porque, ao menosprezar seu lado humano, a medicina perdeu o que
ela tem de melhor. Essa relação que tanto insisto em pôr em questão nasce e se
desenvolve durante o exame clínico, e sua qualidade depende do tempo e da
atenção que dedicamos à anamnese - trabalho que nenhum aparelho consegue
realizar com a mesma eficiência que nos dá a entrevista. Aliás, os pacientes
têm notado que, quando se interpõe entre eles e o médico uma máquina, o médico
se deslumbra (ou se perde) com ela e se esquece deles. De certo modo, transfere
para a máquina os cuidados e carinho que antes eram dedicados ao doente. Sem
dúvida, a qualidade do trabalho médico depende de muitos fatores, mas a relação
médico-paciente continua sendo um ponto fundamental. Decisão diagnóstica não é
o resultado de um ou de alguns exames complementares, por mais sofisticados que
seja, tampouco o simples somatório dos gráficos, imagens ou valores de
substâncias orgânicas. É um processo muito mais complexo porque utiliza todos
esses elementos mas não se resume a eles. Numa decisão diagnóstica, bem como no
planejamento terapêutico, precisamos levar em conta outros fatores, nem sempre
aparentes ou quantificáveis, relacionados ao paciente como um todo,
principalmente se soubermos colocar acima de tudo sua condição de pessoa
humana. Aí, também, o exame clínico continua insuperável. Somente
ele tem a flexibilidade e abrangência suficientes para encontrar as chaves
que personalizam cada diagnóstico realizado. A doença pode ser
a mesma, mas os doentes nunca serão exatamente iguais. Sempre
existem particularidades advindas das características antropológicas, étnicas,
culturais, psicológicas, sócio-econômicas e até ambientais. Como programar uma
máquina para tão diversas funcionalidades? Estas considerações nos permitem
dizer que o grande desafio da medicina moderna é conciliar o método clínico aos
avanços tecnológicos. Quem compreender este desafio realmente saberá o significado
da expressão que vem atravessando os séculos sem perder sua força: ‘‘a
medicina é uma ciência e uma arte!”.
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