terça-feira, 16 de outubro de 2012
quinta-feira, 11 de outubro de 2012
Quando chega a hora de partir
11 de outrubro de 2012, céu nublado, clima tristemente chuvoso - por dentro e por fora. O dia de hoje (cronologicamente) ainda não acabou, mas
para mim os ponteiros pararam de trabalhar às 16 horas e 22 minutos, assim que
meus ouvidos - pouco sensíveis à audição, junto a minhas mãos trêmulas e meu
coração taquicárdico ouviram o comunicado de falecimento. Estudando e
vivenciando a Medicina, aprendi uma coisa: a morte coloca a vida em
perspectiva. Definimos melhor os nossos propósitos quando refletimos sobre
nosso passado, presente e futuro. O momento de dizer “adeus” (mesmo que, na
maioria das vezes, não haja tempo para isso) quebra aquela ideia limitada de infinitude. Quando tudo acaba, e tudo que ouvimos é um
som linear, não há mais nada por vir.
Ampliamos a visão de quem somos, de onde viemos e para onde vamos. Ao
encararmos a morte, reconhecemos que não somos perfeitos e sim paradoxais.
Quem não conhece a constante luta interna de querer e não querer algo o tempo
todo? Carl Jung, psiquiatra suíço, dizia que para uma pessoa se sentir completa,
terá de aceitar o fardo de viver
conscientemente com tendências opostas, irreconciliáveis, inerentes à sua
natureza - tragam elas a conotação de bem ou de mal, sejam escuras ou claras.
Apenas quando acolhemos nossos paradoxos é que nos sentimos inteiros. Não
queremos falar sobre a morte, mas contamos com a ideia de que vamos morrer para
nos sentirmos vivos. A ideia de que um dia vamos morrer nos ajuda a lidar com
os sofrimentos da vida: uma perspectiva de alívio, de que um dia os
sofrimentos desta vida acabarão quando morrermos. Mas não queremos morrer!
Queremos acabar com o sofrimento desta vida, mas não morrer. A magnitude de
nosso desconforto em relação à morte está em proporção direta ao tanto
que fomos afetados pelo nosso meio. Até que ponto fomos expostos à visão
negativa que a sociedade tem da morte, e como fomos marcados por ela? A
ideia que temos da morte é o rótulo que damos aos nossos condicionamentos
culturais. Em geral, presenciamos a morte de maneira violenta e negativa. Nos
jornais e na TV, ela é assistida com violência e à distância. Parece
que ela só acontece com os outros. Mas hoje ela foi tão pacífica e, de certa
forma, tão natural que mal consegui interiorizar a possibilidade de nossa própria
morte como um evento positivo. Ela se foi e, assim, fica a inconstância e o
medo de “quando chegar a nossa vez”.
Podemos superar o preconceito de pensar ou falar sobre a morte, mas enquanto
não tivermos alguma experiência direta com ela, nossa ideia a seu respeito
será apenas intelectual e teórica, limitada por nossa própria falta de
experiência – e quão inexperiente sou! Podemos conhecer a morte de um ponto de
vista cultural, religioso, científico ou histórico, mas continuamos sem saber
o que mais nos toca: quando e como nossa morte ocorrerá. Quando esse momento
se aproxima é que parecemos dar conta de que deveríamos saber muito mais
sobre ela. A morte é um conceito que adquirimos de acordo com nossa
personalidade, ambiente social, cultural e religioso e educação familiar.
Nossa visão desse fenômeno intrínseco está contaminada. Se nos concentrarmos
nela, vamos perceber que muitas de nossas ideias arquivadas são
contraditórias. Se fecharmos os olhos e repetirmos a palavra “morte”,
inúmeras vezes iremos constatar que cada vez que dissermos essa palavra surgirão
pensamentos, imagens e sentimentos diferentes - na maioria das vezes, antagônicos.
Se continuarmos essa experiência de mergulhar até onde leva a palavra,
notaremos que algo muda positivamente em nosso interior. A experiência direta
é um antídoto potente para superarmos nossas resistências. Podemos trabalhar
com os nossos preconceitos, pois não estamos destinados a ficar presos a eles.
Só sei que morrer não é romântico. Precisamos nos preparar para conhecer
esse processo de modo a aceitá-lo como uma condição e não como uma falha
humana. Por mais difícil que isso seja.
terça-feira, 9 de outubro de 2012
Entre a ciência e a arte
Nos últimos anos, o grande processo da
tecnologia tem provocado várias perguntas. A mais inquietante delas
é: “será que a memória de um computador carregada com todas as informações
contidas nos tratados de Medicina não seria capaz de substituir, até com
vantagens, o trabalho que os médicos fazem com apoio no exame clínico?”. Colocada
nestes termos, a indagação já estabelece uma disputa entre o método clínico e a
tecnologia médica, como se houvesse antagonismo entre ambos. Por isso, antes de
mais nada, é preciso recusar este confronto. Ele é falso. Não há conflito entre
a medicina clínica e a tecnológica. São coisas diferentes. Uma pode completar a
outra, mas nenhuma pode substituir a outra. Cada uma tem seu lugar, mas, a meu
ver, o exame clínico tem um papel especial em três pontos cruciais da prática
médica: 1) para formular hipóteses diagnósticas; 2) para estabelecer uma boa
relação médico-paciente e 3) para a tomada de decisões. O médico que levanta
hipóteses diagnósticas consistentes é o que escolhe com mais acerto os exames
complementares. Ele sabe o que rende mais para cada caso, otimizando a relação
custo-benefício, além de interpretar melhor os valores dos exames
laboratoriais, as imagens radiológicas e os gráficos construídos pelos
aparelhos. Quem faz bons exames clínicos aguça cada vez mais seu espírito
crítico e não se esquece de que os laudos de exames complementares são apenas
resultados de exame e nunca representam uma avaliação global do paciente. Na
verdade, correlacionar com precisão os dados clínicos com os exames
complementares pode ser considerada a versão moderna do “olho clínico”, segredo
do sucesso dos bons médicos – cuja essência é a capacidade de valorizar
detalhes sem perder a visão do conjunto. Bastaria isso para garantir um lugar
de destaque para o exame clínico na medicina moderna – ou de qualquer tempo –
mas, no presente momento, precisamos nos empenhar na (re)valorização da relação
médico-paciente porque, ao menosprezar seu lado humano, a medicina perdeu o que
ela tem de melhor. Essa relação que tanto insisto em pôr em questão nasce e se
desenvolve durante o exame clínico, e sua qualidade depende do tempo e da
atenção que dedicamos à anamnese - trabalho que nenhum aparelho consegue
realizar com a mesma eficiência que nos dá a entrevista. Aliás, os pacientes
têm notado que, quando se interpõe entre eles e o médico uma máquina, o médico
se deslumbra (ou se perde) com ela e se esquece deles. De certo modo, transfere
para a máquina os cuidados e carinho que antes eram dedicados ao doente. Sem
dúvida, a qualidade do trabalho médico depende de muitos fatores, mas a relação
médico-paciente continua sendo um ponto fundamental. Decisão diagnóstica não é
o resultado de um ou de alguns exames complementares, por mais sofisticados que
seja, tampouco o simples somatório dos gráficos, imagens ou valores de
substâncias orgânicas. É um processo muito mais complexo porque utiliza todos
esses elementos mas não se resume a eles. Numa decisão diagnóstica, bem como no
planejamento terapêutico, precisamos levar em conta outros fatores, nem sempre
aparentes ou quantificáveis, relacionados ao paciente como um todo,
principalmente se soubermos colocar acima de tudo sua condição de pessoa
humana. Aí, também, o exame clínico continua insuperável. Somente
ele tem a flexibilidade e abrangência suficientes para encontrar as chaves
que personalizam cada diagnóstico realizado. A doença pode ser
a mesma, mas os doentes nunca serão exatamente iguais. Sempre
existem particularidades advindas das características antropológicas, étnicas,
culturais, psicológicas, sócio-econômicas e até ambientais. Como programar uma
máquina para tão diversas funcionalidades? Estas considerações nos permitem
dizer que o grande desafio da medicina moderna é conciliar o método clínico aos
avanços tecnológicos. Quem compreender este desafio realmente saberá o significado
da expressão que vem atravessando os séculos sem perder sua força: ‘‘a
medicina é uma ciência e uma arte!”.
domingo, 7 de outubro de 2012
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