sábado, 29 de outubro de 2011

Opção sexual: uma questão de cérebro



Quando chega a hora do sexo, você gosta de homens ou mulheres? Acha que isso é uma escolha consciente ou a mera constatação das preferências do seu cérebro? Acredita que um único gene possa interferir no seu comportamento? Preferência sexual, afinal, é biologia ou psicologia?
Sexo é um assunto tão importante em termos biológicos, sociais e evolutivos (afinal, é o que torna possível a continuidade das espécies) que existem regiões do cérebro dedicadas a ele. Várias ficam no famoso hipotálamo, estrutura responsável pela regulação  de diversos aspectos do funcionamento corporal, como a freqüência cardíaca, pressão arterial e, acredite, comportamentos razoavelmente complexos como a aproximação com fins sexuais e até mesmo a cópula.
Mexa no hipotálamo do jeito certo e você alterará o comportamento sexual do animal. Um estudo mostrou que o bloqueio da produção de um único receptor para hormônios femininos em uma área da região hipotalâmica é suficiente para abolir o comportamento sexual de camundongas. Com o hipotálamo – e somente Ele – tornado insensível ao estrogênio, camundongas adultas deixam de aceitar investidas dos machos. Pior: elas passam a rejeitá-los. E tudo isso porquê um único gene foi silenciado.
Outros artigos põem mais lenha na fogueira da preferência sexual e, dessa vez, em humanos. Dois estudos de pesquisadores do Instituto Karolinska, na Suécia, mostraram recentemente que diferenças no hipotálamo estão associadas a uma de nossas características individuais mais fundamentais: a sexualidade.
Para desespero daqueles que acham que podem “consertar” as preferências sexuais dos outros (e geralmente para consolo das partes mais interessadas), toda a neurociência aponta para uma determinação biológica (genética e hormonal) da preferência sexual, e precoce, ainda no útero. Que padres e políticos esperneiem à vontade, mas não há qualquer evidência de que o ambiente social influencie a preferência sexual humana – biologicamente falando. Cerca de 10% dos homens e das mulheres procuram, preferencialmente, parceiros do mesmo sexo, e o número não muda entre pessoas criadas por pai e mãe, pai e pai, mãe e mãe, com ou sem religião, na área urbana ou rural... Não se trata, portanto, de “opção” sexual, tanto que tentativas sociais de convencer humanos ou outro animais a mudar de identidade (ou “condição”) sexual nunca deram muito certo. Seja você heterossexual ou homossexual, imagine-se sendo obrigado a adotar a preferência sexual oposta. Não gostou do resultado? Pois é.
Ao que parece, a identidade sexual – e é a nomenclatura que me sinto mais seguro em utilizar – está associada à maneira como o hipotálamo responde a feromônios, segundo os estudos suecos. Feromônios são substâncias produzidas por indivíduos da mesma espécie e causam nestes alterações fisiológicas e comportamentais, sempre de cunho social. Numa definição ainda mais ampla e curiosa, estas substâncias  são usadas pelas mais variadas espécies, das leveduras que fermentam a cerveja aos javalis, passando pelo ser humano para unir gametas – promovendo o encontro dos seres que os transportam. O esquema é engenhoso: cada invidíduo produziria o feromônio característico da sua espécie, na versão “homem” ou “mulher”, dependendo do tipo de gameta produzido, e esse feromônio surtiria um efeito avassalador sobre o cérebro dos indivíduos do sexo oposto. Portadores de gametas de um e outro tipo então se aproximariam, passando pela versão de paixonite aguda possível àquela espécie e acabariam por, digamos colocar seus gametas em contato. Se tudo funciona, o casal é premiado com um rebento, que por sua vez produzirá feromônios e será atraído por outros, de acordo com seu sexo – e é aí que o esquema se autopropaga.
Todos os feromônios são pouco voláteis: é preciso chegar perto do indivíduo que o produz; feito isso, eles entram pelo nariz - onde são detectados pelo órgão vomeronasal (e não pelo epitélio olfativo, razão pela qual não existe um cheiro detectável), e esse órgão encaminha a informação ao cérebro direção hipotálamo. O comportamento que se segue parece depender radicalmente de como essa zona se ativa em resposta. Nos homens heterossexuais, mas não nas mulheres heterossexuais, o hipotálamo responde fortemente ao feromônio feminino (EST). Ao contrário, nessas mulheres, e não nesses homens, o cérebro responde ao feromônio masculino (AND). Com tudo o que se conhece sobre a região envolvida, deve se seguir uma cascata de eventos em outras regiões cerebrais (como a amígdala, córtex cerebral e sistema de recompensa, que provocam excitação sexual e fazem com que se busque o dono ou dona do feromônio que ativou o sistema) e, assim, eles preferirão se aproximar delas, e elas, deles. E em imaginar que tudo isso começou no nariz...
Segundo, ainda, os estudos suecos, no entanto, nem todo hipotálamo masculino responde a feromônios femininos e vice-versa. O padrão de resposta do hipotálamo concorda não com o sexo de cada pessoa, e sim com sua identidade sexual ou, provavelmente o contrário: a identidade sexual de cada um depende do padrão orgânico de resposta de seu hipotálamo. Homens e mulheres, cujo hipotálamo responde ao EST, feromônio feminino, e não ao AND, gostam de mulheres; se o hipotálamo responde ao AND e não ao EST, gostam de homens.
Claro, existe a possibilidade teórica de a preferência do hipotálamo ter mudado por causa do comportamento homossexual dos voluntários, ao invés de tê-lo causado. No entanto, com tudo o que se conhece sobre a dificuldade de “converter” a hetero ou homossexualidade e comprovável indiferença das influências sociais isso é muito pouco provável.
O que cada um faz com sua identidade sexual já é outra estória, esta sim é uma opção (preferência ou seja lá como você prefira classificar) que lamentavelmente deve levar em conta todas as dificuldades psicológicas que a discriminação traz. Mas, até onde se sabe, para a neurociência a identidade sexual é biológica e não psicológica. Revelada quando o cérebro adolescente, sensibilizado pelos hormônios sexuais produzidos sob seu controle, expressa o caminho que tomou ainda na gestação - sem qualquer interferência social. Identidade sexual não se escolhe: descobre-se. Tentar mudá-la é como insistir que uma pessoa troque de cor de pele, se torne mais baixa ou tenha um olho de cada cor. É inevitável. É inútil. É injusto.


Referencial Bibliográfico:
HERCULANO, Suzana. Pílulas de Neurociência. Ed. Sextante. 2009.
LANGSTROM, Niklas. Genetic and Environmental Effects on Same-sex Sexual Behaviour. Karolinska Intitutet. 2008.

3 comentários:

Palavras Narradas disse...

mais uma vez um ótimo artigo... bem científico é claro! E digno de ser publicado! Aliás merece... se soltar um pouco mais o texto e tirar alguns termos técnicos demais pode ser publicado em qualquer lugar!

parabéns lê... ;)

Rios efêmeros disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rios efêmeros disse...

Adorei o cunho cientifico. Talvez usarei em algumas discussões nas aulas de Biologia. hhueheiheiheiueuih'