quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Uma questão de pele


Me lembro de, numa outra postagem, ter falado um pouco sobre fenótipo, material genético, evolução e Lamarck. A diversidade humana é, há tempos, discutida por filósofos da humanidade. Entretanto, todas as discussões que existiram sobre “raças” humanas envolvem apenas o nível fenotípico (de aparências).
A variabilidade fenotípica é vista em várias etnias diferentes, assim como há variabilidade populacional em outras espécies por compartilharem ambientes diferentes e por um relativo isolamento reprodutivo geográfico, que faz com que cada população tenha sua própria característica. No entanto, quando analisamos as populações humanas a nível genômico, a diferenciação não é tão simples assim. A variabilidade genética da nossa espécie é muito baixa. As características físicas desses grupos representam adaptações ao meio ambiente, sendo então produtos de uma seleção natural que age sobre alguns (poucos) genes. Variações fenotípicas visíveis, tais como cor da pele, cor dos olhos, forma do nariz, etc, são regidas por pouquíssimos genes quando comparadas com variações moleculares de “maior” importância. 
A anemia facilforme, por exemplo, era vista como uma doença típica de africanos ou afro-descendentes. Um estudo de padrões geográficos de ancestralidade genômica, realizado pela UFMG, constatou que 15% dos casos no Estado de Minas Gerais é formado por indivíduos com 85% de ancestralidade européia.
Quando queremos distinguir um europeu de um africano, por exemplo, podemos conseguir com êxito quando estamos analisando os dois indivíduos fenotipicamente (ou seja, levando em consideração suas características esteriotípicas). Apesar disso, quando analisamos apenas o nível genômico (como o exame de um DNA forense, por exemplo), a facilidade de identificação desaparece completamente. O ponto crucial para abolirmos completamente o termo “raças” quando nos referimos à nossa espécie é a avaliação das diferenças individuais. Vários estudos constataram porcentagens de polimorfismos individuais e entre “raças” de seres humanos e os resultados sempre foram próximos a 85% de diversidade entre indivíduos de mesma população8,3% de diversidade entre populações diferentes 6,3% entre “raças” distintas.
Portanto, como podemos definir “raças” se a variação genética é de apenas 6,3%? Compare com a variação individual de 85% e podemos compreender o motivo e tamanho do erro cometido.
No Brasil, a situação é ainda um pouco mais complicada. Todos os estudos de miscigenação já realizados confirmam que a população, independente da região onde se encontra, possui ancestralidade africana, européia e ameríndia, diferindo apenas na porcentagem entre elas. A variabilidade genética da população brasileira é gigantesca! Todos nós somos afro-descendentes, euro-descendentes e ameríndio-descendentes.
Do ponto de vista médico e genético, então, raças humanas são indiscutivelmente inexistentes. Para os estudiosos da genética, as diferenças da cor da pele nas "raças" humanas são insignificantes. Mas é estarrecedor vermos sua capacidade de produzir, como nas políticas do apartheid, algumas das páginas mais cruéis da história da humanidade. Talvez o termo tenha um significado cultural e político, mas também acaba nos coordenando e condicionando à alguns preconceitos, o que não é bem visto por grande parte da população.
No ano passado tivemos nossas casas visitadas por pesquisadores do IBGE para realizarem o censo de 2010. Uma das perguntas que eles fizeram e que várias pessoas não souberam responder foi “como você define sua cor?”. Se nós, nessa esquizofrênica mania de querer limitar nosso espaço geográfico e humano a blocos cada vez mais específicos, quisermos dividir a espécie humana em raças, o mínimo que podemos dividir é em 6,5 bilhões de indivíduos.

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