domingo, 28 de agosto de 2011

Eu poderia falar de amor

Eu poderia falar de amor ou do sonho dessa noite, que eu tinha adotado uma menina e precisava escolher o nome. Poderia reclamar da chuva que não vem ou do calor e do frio que lutam pelo primeiro lugar na fila. Falar do nada, da dificuldade de falar sobre o nada, encher muitas linhas sobre o nada, o vazio, o branco, o silêncio, o teclado do computador. 

Eu poderia falar sobre vírgulas e seu namoro com as letras. Namoro de amor e ódio, cheio de rancor, selvageria e tesão. Sempre achei que as vírgulas eram meio tias velhas solteironas, mas descobri que são amantes das melhores, as prediletas, inesquecíveis e suspiráveis amantes de todo mundo, que sofrem por não serem um belo, gordo e importante ponto final.

Eu poderia falar de ingratidão, grosseria, idiotas no trânsito, injustiça social. Poderia falar sobre simpatia, pessoas iluminadas que não precisam fazer o menor esforço para serem de outro mundo - bastam existir que enchem salas e corredores de cores, cheiros e sabores. Eu poderia reclamar, elogiar, brindar, aguentar - e como tenho aguentado! Falar de internet e a imensa oportunidade que as pessoas perdem de ficar caladas ao invés de falar, falar e falar. Poderia fazer tudo que desejasse, porque sou livre e dono de meu arbítrio. Dar um pulinho no inferno, pecar, subir aos céus, rezar, pedir perdão e descansar.

Eu poderia falar sobre sorrir, comprar pães, limpar o fogão, atender ao telefone, a problemática de dar água com açúcar para beija-flor. Poderia tirar mil trezentas e noventa e oito máscaras que carrego grudadas em cada pedaço do corpo. Poderia contar meus dentes, meus dedos, meus medos. Poderia tirar a roupa. Poderia lavar a louça. Quem sabe os dois ao mesmo tempo?

Eu poderia falar de música sertaneja, ter um chapéu na cabeça e um caminhão na garagem de casa. Poderia ser músico de porta de botequim e receber quinhentos reais por mês - ou tomar tudo em cerveja. Poderia ser um bebê chamado Luiz Felipe ou o filho mais novo do Carl Sagan, como já sonhei acordado após ler um de seus livros em menos de 24 horas com uma xícara de café frio na mão.

Eu poderia falar de sonhos e do porquê eles acontecem, mas eles são tão difíceis de explicar...

Um comentário:

Palavras Narradas disse...

Como você consegue traduzir tantos sentimentos em palavras?Mas talvez não sejam vários sentimentos, talvez apenas um. Lê que texto incrível, eu nos altos das 4:51 da manhã to lendo e não estou me arrependendo... Ahhh... Penso que sonhos não precisam ser explicados!
ps: Eu queria poder entender mais as entrelinhas das suas palavras...